Neste breve relato, descrevo alguns trabalhos – manobras de força–, executados pela Viatura-Socorro
Ward La France, 14 ton, 6x6, EB22-415, na Operação Poncho Verde, realizada pela 6ª DE, em outubro
de 1972, no Campo de Instrução Barão de São Borja (Rosário/RS).
Subten MB José Leocádio Garcia Salazar
22 de maio de 2022
1. GUARNIÇÃO DA VIATURA-SOCORRO
2º Sgt Salazar, Cabo Pedro e Cabo Abílio.
2. DESTAQUES NAS MISSÕES CUMPRIDAS
Pelas complexidades e riscos, destaco 6 momentos importantes, no cumprimento das missões
atribuídas à Viatura-Socorro Ward La France (Socorrão), durante a Operação Poncho Verde. Nessa
Operação, foi constituído um B Log operacional, constituído da 6ª Cia Int e da 2ª Cia Me Mnt –
na realidade o embrião do 8º Batalhão logístico, que seria ativado no início de 1973.
Travessia do Rio Santa Maria
Em um dos atendimentos efetuamos a travessia do Rio Santa Maria, sobre ponte de madeira, escorada
nas laterais por trilhos de trem. Lembro que ao olharem a estrutura da ponte, os Cabos Pedro e Abílio,
receosos, optaram por atravessá-la a pé. Alcançaram a outra margem do rio e lá ficaram me esperando,
olhos fixos no cuidadoso deslocamento da viatura. Durante a travessia a ponte balançou bastante, mas
com vagar e cuidado conduzi com êxito a viatura à margem oposta.
Atoleiros na BR-392
Naquela época, a BR-392, entre Canguçu e o entroncamento com a BR-290, não era asfaltada e estava
em processo de terraplenagem visando ao futuro asfaltamento. Chuvas e o solo mole geraram lodaçais
extensos em alguns trechos mais baixos do percurso. No primeiro desses atoleiros, as viaturas mais leves
da 6ª Cia Int conseguiram vencer esses obstáculos. Na sequência, as primeiras viaturas mais pesadas
atolaram e barraram deslocamento das demais.
Acionado o Socorrão, seu primeiro trabalho foi retirar as viaturas que bloqueavam o movimento, para
que pudesse ultrapassar o atoleiro e então rebocar as viaturas do comboio da 6ª Cia Int. Uma a uma,
as viaturas pesadas, carregadas de gêneros e de combustível, foram tracionadas por guincho e liberadas.
Após a 6ª Cia Int, foi a vez das viaturas da 2ª Cia Me Mnt serem alvos do mesmo trabalho. Viaturas-oficina,
viaturas administrativas pesadas e mesmo algumas viaturas leves foram guinchadas para
ultrapassagem do atoleiro.
Na sequência do percurso, mais um atoleiro menos extenso se formou e a operação foi repetida para
as viaturas pesadas. A consequência desses transtornos foi expressivo atraso no deslocamento ao Campo
de Instrução Barão de São Borja (Saicã), onde o comboio da 2ª Cia Me Mnt chegou somente à noite.
Viaturas do 6º BE Cmb Atoladas em Arrozal
A pouca distância umas outras, 6 viaturas-caçamba do 6º BE Cmb atolaram em um arrozal, onde a
colheita havia sido recentemente realizada. O solo estava fofo e úmido em função da colheita e das
chuvas da noite anterior.
As viaturas-caçamba estavam vazias. O desafio foi como adentrar o arrozal com a Viatura-Socorro
de 14 toneladas. As 3 primeiras viaturas-caçamba fora guinchadas a partir de um ponto do arrozal em
que havia segurança para o guinchamento, sem o risco de atolamento da Viatura-Socorro. As 3 restantes
exigiram um avanço no terreno e, consequentemente, um risco maior de atolamento da Viatura-Socorro,
cujas rodas ficaram parcialmente imersas na água e afundadas na lama.
Removidas as viaturas do 6º BE Cmb, me apercebi que tínhamos avançado bastante e estávamos no
meio da lavoura de arroz e haveria dificuldade em dela sair. Pus a equipe a pesquisar cuidadosamente
os lugares mais secos e realizamos uma grande volta até conseguir voltar à estrada. Na estrada, parei,
desci, ajoelhei-me e agradeci a Deus Pai por termos saído daquela situação com sucesso.
Remoção de Viaturas Acidentadas do 18º B Inf Mtz
Num total de 8, viaturas Ford 2 ½ ton 4x4, novas, pertencentes ao 18ºBIMtz, em deslocamento
noturno, capotaram quando de travessia de ponte estreita. Transportavam militares, entre os quais
muitos se feriram. A chuva, a escuridão, a falta de conhecimento do trajeto e a falta de sinalização adequada na
ponte haviam causado a sequência de capotagens.
Em função da quantidade de viaturas acidentadas e da natureza dos trabalhos a realizar, foram
acionadas as duas viaturas-socorro da Companhia: o Socorrão (14 ton) com minha equipe; e o
Socorrinho (Ford 1 ½ ton) com a equipe do Sgt Aguiar.
A missão consistiu em desvirar e recolocar na estrada as viaturas acidentadas. O Socorrão desvirava
as viaturas e as recolocava na estrada. A partir daí, o Socorrinho as rebocava até a estação do trem que
as conduziria ao Pq R Mnt/3, em Santa Maria.
Apoio ao 6ºBE Cmb na Montagem de Ponte Metálica sobre o Rio Santa Maria
Sem dúvida, a missão mais complicada e cansativa que cumprimos foi o apoio prestado ao 6º BE
Cmb para montagem de ponte metálica sobre o rio Santa Maria. A ponte destinava-se à transposição do
rio Santa Maria por tropas e viaturas.
Normalmente, a viatura-guincho do 6º B E Cmb faria a retirada dos pontões e vigotas das viaturas de
transporte da Unidade. Contudo, o guincho dessa viatura havia quebrado e, por essa razão o Socorrão>
foi acionado.
Por volta de 15h00 chegamos à beira do rio para realizar o trabalho. Fomos então informados de que
a ponte deveria estar montada até às 06h00 da manhã seguinte. O Subcomandante do 6º B E Cmb nos
orientou sobre o trabalho a executar.
Aproximamos o Socorrão da margem do rio e iniciamos a descarga dos pontões e vigotas. A fila de
caminhões que as transportavam era muito grande e tememos não cumprir a missão em tempo útil
para a montagem da ponte.
As viaturas de transporte especializado do 6º B E Cmb estacionavam perto do guincho do Socorrão.
Levantávamos então os pontões da viaturas de transporte e os embalávamos em direção ao rio para soltá-los
o mais próximo possível da água. Ao brado de “Ao braço, firme!”, sem cessar, as equipes do Batalhão
movimentavam as peças para montagem. Findou a tarde, veio a noite, rompeu a madrugada e e os
trabalhos prosseguiram, ininterruptamente, até às 05h00 da manhã, quando o último pontão e a última
vigota foram descarregados.
Para esta tarefa estabelecemos que cada um de nós operava o guincho por 1 hora e os outros
descansavam mas sem dormir. Às 06h00, o Batalhão completou a montagem. Às 06h30, estava prevista
a transposição da ponte pelos CCL do 12º R C Mec. Completado nossos trabalhos, tomamos um café
e fui me apresentar ao Comandante do Batalhão. Os Oficiais estavam tomando café. Pediram que eu
entrasse na barraca. Então o Subcomandante me perguntou qual a tonelagem da nossa Viatura-Socorro.
“Em torno de 14 toneladas”, respondi. Comandante e Subcomandante se olharam. “Coronel, posso ir
embora”, perguntei ao Comandante. “Ainda não”, foi sua resposta. “O Subcomandante vai te passar
todas as recomendações necessárias para tua liberação”, completou.
As recomendações foram: ser o Socorrão a primeira viatura a transpor a ponte; uma vez alinhada a
viatura, não mover mais o volante de direção; iniciado o movimento, manter a viatura em 2ª marcha em
1.000 rpm, não pisar no freio, não trocar marcha; tomar máximo cuidado dada a profundidade do rio.
Pensei: “Se aguentar as 14 toneladas do Socorro, aguenta os CCLs, é isso!”. Procurei o Pedro e o
Abilio e eles já se encontravam do outro lado da ponte. O Comandante do Batalhão então perguntou ao
seu pessoal se estava tudo pronto e esticado. A resposta foi afirmativa. “Então vai, Salazar”, me ordenou
o Comandante.
Iniciei o deslocamento sobre a ponte, de olho nos lastros dos pontões. Quando o Socorro passava, a
água marcava o terceiro lastro (o bem de cima). Atravessei a ponte com muito cuidado, mas sem maiores
dificuldades, pois mais uma vez meu amigo lá do Alto, estava me tranquilizando e orientando.
Nem tudo foi sucesso nessa atividade. Tristemente, um militar do Batalhão, da equipe encarregada
de esticar os cabos e ancoras, caiu do bote e não foi mais encontrado. O rio naquela parte tinha bastante
profundidade e a correnteza era forte.
Remoção um CCL M3 A1 do 12º R C Mec
A última participação digna de nota da Viatura-Socorro da 2ª Cia Me Mnt foi a remoção de um CCL
M3A1 de uma vala funda em que caíra quando em deslocamento noturno. Removido, o blindado foi
rebocado e embarcado em vagão de trem com destino ao Pq R Mnt/3, em Santa Maria.
O CCL ficara quase que totalmente submerso na vala, restando fora da água apenas a torre. Para o
cumprimento da missão o “Socorrão” contou com o auxílio do “Socorrinho” sob a chefia do Sgt Aguiar.
Além disso, equipe de mecânicos chefiada pelo Sgt Juvenil também foi acionada.
O importante era movimentar o blindado sem causar-lhe danos adicionais. Cheio de água o carro de
combate apresentava peso superior às suas 13 toneladas originais
Tivemos que realizar uma manobra de força usando 3 cardenais do Socorrão. Ancoramos o Socorrão
com todas as suas sapatas e o anteparamos em outro CCL dirigido pelo Sgt Celso. Em manobra
demorada, mas bem-sucedida removemos o CCL da vala. Aguardamos o escoamento da água acumulada
em seu interior para inspecioná-lo. Feito isso, atrelamos a tesoura e rebocamos o blindado até a estação
ferroviária e o posicionamos em um vagão com destino ao Pq R Mnt/3, em Santa Maria.
3. CONCLUSÃO
Penso, neste breve relato, ter dado uma ideia da importância dos trabalhos realizados pela equipe
encarregada da Viatura-Socorro Ward La France, 14 ton, 6x6, da 2ª Cia Me Mnt, durante a Operação
Poncho Verde. Com certeza escaparam-me detalhes, pois a distância dos fatos no tempo enfraqueceu
um pouco minha memória.
GLOSSÁRIO
- Viatura-Socorro (Socorrão): Viatura EB22-415, 6X6, 14 Ton, Ward La France.
- Viatura-Socorro (Socorrinho): Viatura Ford F-600, 4x2, EB22-1550, 1 1/2 toneladas.
- 6ª DE: 6ª Divisão de Exército, Quartel-General em Porto Alegre-RS.
- 6ªCia Int: 6ª Companhia de Intendência, Unidade extinta em 31/12/1972, à época sediada no bairro
Partenon, Porto Alegre-RS
- 2ªCia Me Mnt : 2ª Companhia Média de Manutenção, Unidade extinta em 31/12/1972, à época sediada no bairro
Serraria, Porto Alegre-RS
- 18ºBI Mtz : 18º Batalhão de Infantaria Motorizado, à época sediado em Porto Alegre-RS.
- Pq R Mnt/3: Parque Regional de Manutenção da 3ª Região Militar, Santa Maria-RS.
- 6ºBE Cmb: 6º Batalhão de Engenharia de Combate, São Gabriel-RS.
- 12ºR C Mec: 12º Regimento de Cavalaria Mecanizado, à época sediado em Porto Alegre, no bairro Serraria.
- 8º B Log: 8º Batalhão Logístico, bairro Partenon, Porto Alegre-RS
- CCL: Carro de Combate Leve.
- Operação Poncho Verde: Manobra da 6ªDE realizada no ano de 1972, no Campo de Instrução Barão
de São Borja, no município de Rosário do Sul-RS.
- Rio Santa Maria: rio que corta o Município de Rosário do Sul e o Campo de Instrução Barão de São
Borja.
- Ao Braço! Firme!: Comando tradicional da Engenharia de Combate.
- Pontões e Vigotas : Pontões são barcos alinhados um ao lado do outro em que confeccionam uma
ponte móvel .Vigota são trilhos transversais que formam o trajeto a ser percorrido nos pontões;
- Cardenal: Equipamento da dotação da viatura Socorro 14 ton, que consistia de 1 roldana com
suporte e gancho.