EU NÃO VIVI EM VÃO:

A HISTÓRIA DE UM SOLDADO BRASILEIRO

Jorge Roberto Cunha de Oliveira (*)


Norberto Kober, 88 anos, filho de imigrantes poloneses, estudou na Escola Técnica de Agricultura em Viamão. Foi prestar o serviço militar em 1956 em Porto Alegre no então 6º Batalhão de Engenharia (atual 6º BE Cmb) sendo, desde logo, destacado para a oficina de manutenção de viaturas, pelo fato de já ser motorista e mecânico.

Como dirigia até caminhão com caixa seca (que exigia a “dupla debreagem” pois eram sem sincronizadores), virou o “quebra-galho”, pois resolvia todas as panes que aconteciam com as viaturas da unidade. Ficou tão conhecido que praças antigos o apelidaram de “o mecânico”. Tal regalia fez com que os outros soldados começassem a rodeálo para saber como pegar uma “boquinha” na oficina.

Enquanto as demais praças marchavam no sol, ele ficava fazendo o que gostava, na sombra da oficina, mexendo nas viaturas. A intenção dele não era a de engajar (permanecer no Exército depois de prestar o serviço militar inicial), mas um outro soldado pediu para que ele ficasse em seu lugar, pois precisava dar baixa, e ele aceitou a condição. .

Logo, também deu baixa o motorista do comandante, o Coronel Alcedo Batista Cavalcante que, sabedor de que ele era bom motorista, o promoveu a cabo e o chamou para desempenhar a tarefa, bem como o convenceu de que permanecesse no Exército (foto 1).

Como queria ter uma melhora na sua situação funcional, em 1958 decidiu que iria cursar a Escola de Motomecanização (posteriormente Escola de Material Bélico). Fez o concurso e foi o 24º classificado entre os 500 candidatos que iriam ingressar.

O curso iniciou e ele não havia sido chamado, quando veio um fonograma, urgente, para que se apresentasse no Rio de Janeiro, embora não tivesse recebido valores para o deslocamento. Como costumava guardar um dinheirinho, resolveu, às suas custas, comprar a passagem, pegar sua bagagem e em uma semana chegar ao Rio de Janeiroonde se apresentou na escola. Lá chegando, bem no dia da vacinação, já no início do segundo mês do curso. Teve de recuperar toda a matéria, o que, de pronto fez, obtendo o 8º lugar entre os 45 alunos da turma de mecânicos de automóveis.

Em virtude da sua classificação e destacado conhecimento técnico, ofereceram para que ficasse servindo na escola após a conclusão do curso, mas ele tinha como intenção retornar ao seu estado de origem, o Rio Grande do Sul, o que fez, vindo servir no 2º Regimento de Reconhecimento Mecanizado (2º R Rec Mec), no bairro Serraria, sob o comando do Coronel Borges Fortes, onde permaneceu por seis anos.

Em 1964, foi transferido para o 2º Batalhão Rodoviário na cidade de Lages, estado de Santa Catarina, iniciando o seu trabalho na Companhia de Equipamentos de Engenharia, localizada às margens da BR 116, na localidade do Lageadinho, a 20 km da sede, na Ferrovia “Tronco Sul”, com o carro oficina para a manutenção das viaturas, sendo bem reconhecido pelo seu comandante Coronel Hélio Ibiapina Lima.

No ano de 1971, o batalhão foi extinto e criado em seu lugar o 8º Batalhão de Engenharia de Construção, com nova sede no município de Santarém - PA, sendo convidado para ir com a família para lá residir e servir, o que aceitou.

Conta a história de que havia adquirido um automóvel Ford Corcel do ano, novinho, o qual levou junto, vindo a ser o primeiro veículo zero quilometro da cidade (foto 2).

O pessoal do Exército, ao chegar a Santarém para a construção da BR 163, modificou os hábitos e costumes da população local, ajudando no desenvolvimento da região (fotos 3, 4 e 5).

Seis meses após a chegada em Santarém, foi publicada sua transferência para Estirão do Equador, no Alto Javari, considerada a pior localidade de fronteira do Brasil. A transferência foi revogada e ele não precisou ir para aquela guarnição, permanecendo na mesma unidade, a pedido do comando.

Conhece, como poucos, quase toda a Amazônia, pois nela trabalhou, residiu com a família e lá criou os três primeiros filhos.

Mesmo com a transferência para Porto Alegre, publicada em dezembro de 1975, foi convidado pelo Major Schirmer – Fiscal Administrativo do 8º BEC – para que lá permanecesse, por mais um ano, como chefe de oficina.

Era um dos militares “fundadores” do batalhão e resolveu consultar a sua família, a qual tinha o desejo do retorno ao sul do país, vindo para a 1ª Divisão de Levantamento, no morro de Santa Tereza, em Porto Alegre – RS, para chefiar o setor de oficina e transporte, onde se apresentou em 20 de janeiro de 1976, (foto 6).

Abraçou tudo como sempre fazia e foi escalado para levar equipamentos e viaturas topográficas para o então território de Rondônia, lá permanecendo por 50 dias, para distribuir viaturas no período da estiagem, pois no período de chuvas tinham de parar a missão.

Como trabalhava próximo, foi conhecer Rio Branco, no Acre, buscando suprimentos, Porto Velho - RO e depois Manaus-AM em 1978, estendendo sua viagem até Roraima-RR para recuperar as viaturas nas dependências do 6º Batalhão de Engenharia de Construção, eis que deveriam retornar até Manaus em condições de trafegar.

Kober e sua equipe, composta pelo 3º Sargento Nava e pelo Cabo Rosalvino, ficou alojada, nesse período, na polícia militar em Boa Vista-RR, graças a amizade do Sargento Nava com o Tenente R/2 Barbosa que, na época, era o Subcomandante da Companhia da Polícia Militar local.

No 6º Batalhão de Engenharia de Construção, os três encontraram o Tenente Maurício, que fora sargento em Lages e o Comandante da OM, Coronel Feijó, outrora capitão na antiga unidade de SC (foto 7).

Recuperaram várias viaturas, sorvendo o seu chimarrão, recebendo como incumbência a transferência de 9.000 litros de combustível para Manaus, o que se tornava quase impossível de fazer. Encheu os tanques das viaturas do comboio, fez uma reserva para a viagem e repassou o restante para o 6º Batalhão de Engenharia de Construção em troca de um empenho junto à Petrobrás. Elaborou o planejamento da viagem partindo de Roraima, comprou os mantimentos e partiram, evitando parar para almoço, com a finalidade de chegar mais rápido ao destino final, tendo parado para dormir no Hotel do Inglês, na beira da estrada, saindo no dia seguinte com parada num barraco para preparar o almoço.

Cobriram o percurso em dois dias e meio. Viajavam armados, pois nem sempre estavam em áreas de índios que gostavam de militares, visto que estes já haviam matado civis.

Antes da chegada em Manaus, pararam num igarapé para o banho, não conseguindo aproveitar as camisetas que vestiram por vários dias, em virtude da intensa poeira da estrada. Quando da chegada ao quartel, em Manaus, tomaram um belo banho e colocaram uniformes limpos.

Começaram o mapeamento da região de Manaus, lá permanecendo por 70 dias, com imediato retorno para Porto Alegre e prestação de contas da missão ao Coronel Câmara, comandante da 1ª Divisão de Levantamento.

As viaturas e equipamentos foram deixados em Manaus para comporem o material da futura 5ª Divisão de Levantamento, que seria criada em Manaus com material proveniente da 1ª Divisão de Levantamento.

Permaneceu por mais de sete anos na 1ª Divisão de Levantamento, sendo transferido para o 3º Batalhão de Comunicações do Exército (atual 3º B Com GE), onde foi promovido a Subtenente em 1983.

Solicitou então sua transferência para a reserva em 1984, encerrando uma brilhante carreira militar (fotos 8, 9 e 10), mas deixou uma herança para as Forças Armadas brasileiras: três filhos oficiais.

O primeiro, Álvaro Kober, coronel aviador da reserva da FAB; o segundo, Airton Kober, coronel de Material Bélico da reserva do EB; e o terceiro, Maurício Kober, ainda um jovem tenente coronel também de Material Bélico da ativa do EB (foto 11).

Assim, podemos concluir que o Subtenente Kober, soldado brasileiro, não viveu em vão (foto 12).

Deixou grandes legados para sua pátria, o Brasil.








(*) Antigo Aluno do Colégio Militar de Porto Alegre, onde foi Presidente da Sociedade Esportiva e Literária e for mando de 1980; Diretor Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região aposentado; Advogado militante. Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS e da Academia Brasileira Maçônica de Letras.